Os animais lá de casa
Nunca tive um animal doméstico, mas, também por algum empréstimo, consigo perceber o fundo sofrimento de quem vê morrer os seu cães ou gatos. Mais: concebo sem assombro que alguém sofra mais pela morte de um "animal íntimo" do que pelas exéquias daquele familiar afastado. Poucas coisas exigem maior relativismo do que a apreensão da dor alheia, sobretudo quando a acusação de futilidade parece fácil e justa.
Ainda assim não descarto o valor ético de uma medida: o instrutivo contraponto entre as as minhas frugalidades e os justos dramas dos outros; reiterado sinal que o relativismo se informa por variados exercícios de descentramento das próprias circunstâncias.
Mas, voltando aos animais domésticos, fonte de vasta lágrima sem justo espaço de enunciação (parece-me), deparamo-nos-nos com um paradoxo. Habitamos uma etapa da transição demográfica em que as baixas taxas de mortalidade infantil e os cuidados médicos asseguram aos pais/cuidadores a bênção de completarem ciclo de vida sem assistirem à morte das suas "criações" co-específicas. O não cumprir deste ciclo -- hoje natural-- arrasta insofismável tragédia: pela crescente "irregularidade" tornou-se em algo da ordem do contra-narrativo.
Ora, sem exagerarmos nos paralelos ilustrativos, cabe pensar como a afectividade dirigida aos animais domésticos surge violentada pelas próprias regularidades da natureza. No caso em que uma espécie cuida de outra, cujo envelhecimento é mais precoce, estamos perante uma fatalidade advinhável. Contudo, falamos de uma fatalidade que nenhuma racionalidade biologicamente informada vinga trivializar.
Ainda assim não descarto o valor ético de uma medida: o instrutivo contraponto entre as as minhas frugalidades e os justos dramas dos outros; reiterado sinal que o relativismo se informa por variados exercícios de descentramento das próprias circunstâncias.
Mas, voltando aos animais domésticos, fonte de vasta lágrima sem justo espaço de enunciação (parece-me), deparamo-nos-nos com um paradoxo. Habitamos uma etapa da transição demográfica em que as baixas taxas de mortalidade infantil e os cuidados médicos asseguram aos pais/cuidadores a bênção de completarem ciclo de vida sem assistirem à morte das suas "criações" co-específicas. O não cumprir deste ciclo -- hoje natural-- arrasta insofismável tragédia: pela crescente "irregularidade" tornou-se em algo da ordem do contra-narrativo.
Ora, sem exagerarmos nos paralelos ilustrativos, cabe pensar como a afectividade dirigida aos animais domésticos surge violentada pelas próprias regularidades da natureza. No caso em que uma espécie cuida de outra, cujo envelhecimento é mais precoce, estamos perante uma fatalidade advinhável. Contudo, falamos de uma fatalidade que nenhuma racionalidade biologicamente informada vinga trivializar.
Da Literatura
Verte-se em livro um dos meu top 5 blogs/bloggers.

Gosto muitíssimo das coisas que o Eduardo escreve, mas sobretudo do modo como as escreve. No dispositivo retórico de um crítico informado, acho que é o tom assertivo e moderadamente sobranceiro que lhe cai um primor, mesmo quando não tem razão. É um tom de risco, algo que noutras economias de exposição por aí, aspirantes a elitistas, claramente não funciona. Nele sim, percebe-se estamos perante uma estética viajada e, porque não dizê-lo? pejada de indisfarçável bonomia.

Gosto muitíssimo das coisas que o Eduardo escreve, mas sobretudo do modo como as escreve. No dispositivo retórico de um crítico informado, acho que é o tom assertivo e moderadamente sobranceiro que lhe cai um primor, mesmo quando não tem razão. É um tom de risco, algo que noutras economias de exposição por aí, aspirantes a elitistas, claramente não funciona. Nele sim, percebe-se estamos perante uma estética viajada e, porque não dizê-lo? pejada de indisfarçável bonomia.
Ler

Numa tirada que reputo genial um tal José Eduardo, fazia então comentários de futebol da RTP, referiu este sublime princípio ético: um avançado deve respeitar a coragem do guarda-redes. Nada mais instrutivo, numa bola disputada na relva ou a meia altura o guarda-redes vai com as mãos e com corpo onde o avançado vais com a chuteira. Por respeito à coragem do guarda-redes o avançado deve tirar o pé reconhecendo que o lance ficou fechado pela decisão do guarda-redes de se fazer a uma possível colisão. Isto vale para as entradas amorosas, para o Peter Cheh, para o post do Tiago. Respeito demasiado a coragem de quem se dá; no que a blogs diz respeito, máximo louvor pela coragem do intimismo. Também respeito demasiado o Cheh: o melhor guarda-redes do mundo.
Ronaldo

Pena é termos que perceber Ronaldo no contraponto da humildade e atitude colectiva de Rooney. Não é algo que se perceba no jogo. Mas nas paragens, festejos e outras minudências rituais. Confesso, a atitude telegénica de Ronaldo aproxima-me afectivamente do inglês sardento. No jogo de Terça, com o Manchester empatado em casa, Ronaldo esteve uns bons dois minutos sentado na vala do Old Trafford a beber água. Um interessante momento de televisão, sem dúvida. A sensação que fica é que Ronaldo está insoluvelmente enamorado de si e que quer partilhar esse amor de tal modo que se recusaria a jogar no dia em que não houvesse transmissão televisiva. Na hora do golo Rooney abraça os colegas, Kaká agradece a Deus, Ronaldo procura a câmara que melhor capte o melhor jogador do mundo. Which he is.
Web 2.0
O antropólogo Michae Wesh, Universidade do kansas, produziu um fascinante vídeo para explicar o advento da web 2.0 aos seus alunos. Depois de 1.8 milhões de visitas no youtube, chega o prémio da revista Wired. Um quê de triunfalismo tecnológico a mais para o meu gosto, ainda assim vale muito a pena.
Bom dia
Max Weber
O conceito informático "Ambiente de Trabalho", marcadamente calvinista, na sua estreiteza bem intencionada, é um dos estandartes de uma ilusão colectiva sobre os usos do computador em tempos de internet.
Sócrates
Eu acho um abuso os caracteres de oposição política que já se perderam com o assunto da licenciatura. Mas, no meio da trapalhada, surpreende a passividade do aparelho tentacular do PS. Ninguém lhe arranja um doutoramento honoris causa?
Desde que o Grabriel Alves foi despedido o mundo recomeçou a perder referências
Paulo Portas ganha, Sarkozy ganha, Alecasandro faz 3 golos.
Do génio

"I love physical comedy, I love piling on pathos. I love the idea of it just not being a good day." (Rick Gervais)
Milhas
Na experiência de viagem -- sentido estrito (o movimento entre dois lugares) -- há uma quota de assombro que atribuo à incredulidade tecnológica. Podemos racionalmente saber dos tempos curtíssimos hoje permitidos por toda a sorte de meios de transporte, a questão é que ao nível da espécie vivemos nessa condição de possibilidade há tempo de menos. Guardamos, por isso, uma melancólica solidariedade que nos liga a ancestrais prévios ao montado e ao advento das jangadas.
Quando alguém abandona uma estação carrega na sua filogenia a estranheza de poder transitar de um lugar para outro em curtíssimo lapso do tempo. É aí que o espectro do não regresso se presentifica. Coisas como aviões só aparentemente se assumem como dispositivos de viagem: na verdade são simulacros em que não conseguimos acreditar totalmente. Só a repetição nos persuade da constância da tecnologia de transporte, temperando-a com um leve gosto a realidade. No fundo, nos nossos "interiores", ainda desenhados pela história da espécie, jaz um temor que nenhum hábito esconjura: imaginamos sempre como seria se tivéssemos de voltar a pé.
Quando alguém abandona uma estação carrega na sua filogenia a estranheza de poder transitar de um lugar para outro em curtíssimo lapso do tempo. É aí que o espectro do não regresso se presentifica. Coisas como aviões só aparentemente se assumem como dispositivos de viagem: na verdade são simulacros em que não conseguimos acreditar totalmente. Só a repetição nos persuade da constância da tecnologia de transporte, temperando-a com um leve gosto a realidade. No fundo, nos nossos "interiores", ainda desenhados pela história da espécie, jaz um temor que nenhum hábito esconjura: imaginamos sempre como seria se tivéssemos de voltar a pé.
Trânsitos

Foto: Abril, 2007
Até já, Rua do Girassol.
Frescas e boas
TV+
Elegendo-me como eventual contendor, o Tiago cumula de bênçãos este esquerdalha pouco imune à vaidade. O Tiago tem alguma razão quando fala num prurido esquerdo-intelectual relativamente à cultura televisiva com adesão popular (o futebol tem surgido como excepção e hoje tornou-se chique a descida ao mundo das bordoadas - naturalmente falo com a presunção de um nativo-agora-chique no que refere à bola). Mas, acrescento um elemento: os preceitos do prestígio académico que, nas suas mais elevadas patentes, parecem desaconselhar em Portugal uma excessiva diluição com as mundanidades "popularuchas". Por isso, a mistura mais castradora é o purismo ideológico (qualquer) mais elitismo escolástico. Remate-se com propriedade: Tiago, perdoa-lhes, naturalmente não sabem o que perdem.
Reparem no abraço do Mourinho a meio da entrevista. Está lá tudo.
Sócrates e outras maçadas
A actualidade do debate público às vezes enfastia. Ressalve-se, eu gosto muitíssimo de actualidade, e, mais se perceba, embora ciente das limitações constitutivas do exercício, adoro zurzir sobre o burburinho das opiniões que se acotovelam enquanto o ferro ainda está quente. Mas, ao contrário do que gostaria, não consigo ter como triador central para a minha afectação ao debate público a oposição entre o que é importante e o que não é importante. Pecado, bem sei. Sem me ver a ajoelhar à dimensão de espectáculo que recobre determinada discussão ou determinada realidade discutida, o que é facto é que a linha que divide o importante/desimportante, sociopoliticamente falando, cede muitas vezes lugar à divisão entre o que me é interessante e o que me provoca tédio. Exemplo: a discussão sobre o Tratado de Constituição Europeia pode ter sido/ser muitíssimo importante, mas a seca desse tempo/actualidade foi penosa. Mortificação pura.
A questão pública da licenciatura de Sócrates reúne o pior de três mundos:
1 - Entediante (contudo, uma forma de ver Portugal a funcionar no costumeiro limbo entre a legalidade e a influência -- pessoal, política, etc.);
2- Pouco importante (interessa-me julgar "carácter público" do primeiro-ministro, e aí a trajectória pessoal vale o que vale. Decerto menos do que um permanente escrutínio sobre o modo como a cultura de influência afecta a decisão política (o relatório do tribunal de contas assusta-me infinitamente mais do que uma eventual licenciatura-expresso). -- Percebo que se possa aduzir um padrão de conduta entre o pessoal e o público. Também considero que a punição da ilegalidade deve acossar os cidadãos por igual. Agora, acho que busca de transposições directas é mais enganosa do que pretende uma certa visão totalizante do carácter individual. Somos mais fragmentados e contraditórios-sem-contradições do que isso, as passagens do privado para o público não operam necessariamente como a revelação da besta interior que tudo comanda na pessoa. Há outras "bestas" que lá dentro se digladiam e se diluem com os decisivos "chamamentos" do "exterior".
3- Afasta a atenção de vigílias sobre decisão política e sobre a diária "compleição ética" do governo que Sócrates lidera.
A questão pública da licenciatura de Sócrates reúne o pior de três mundos:
1 - Entediante (contudo, uma forma de ver Portugal a funcionar no costumeiro limbo entre a legalidade e a influência -- pessoal, política, etc.);
2- Pouco importante (interessa-me julgar "carácter público" do primeiro-ministro, e aí a trajectória pessoal vale o que vale. Decerto menos do que um permanente escrutínio sobre o modo como a cultura de influência afecta a decisão política (o relatório do tribunal de contas assusta-me infinitamente mais do que uma eventual licenciatura-expresso). -- Percebo que se possa aduzir um padrão de conduta entre o pessoal e o público. Também considero que a punição da ilegalidade deve acossar os cidadãos por igual. Agora, acho que busca de transposições directas é mais enganosa do que pretende uma certa visão totalizante do carácter individual. Somos mais fragmentados e contraditórios-sem-contradições do que isso, as passagens do privado para o público não operam necessariamente como a revelação da besta interior que tudo comanda na pessoa. Há outras "bestas" que lá dentro se digladiam e se diluem com os decisivos "chamamentos" do "exterior".
3- Afasta a atenção de vigílias sobre decisão política e sobre a diária "compleição ética" do governo que Sócrates lidera.
A variável que conta
A intensidade do contacto. Tudo depende da.
Man. United- 7 Roma-1
Sem paradoxo ou improbabilidade estatística. O golo da Roma foi o mais bonito da noite.
2-2

O Simão é dos melhores jogadores a fazer aquilo a que habitualmente se chama "carregar a equipa as costas". Não brinco. É mesmo admirável como ele tenta levar o Benfica à vitória quando as coisas não estão de feição (ou seja, sempre). Dado que lhe escapa o génio de um Ronaldo ou de um Quaresma, para não se trivializar como jogador o Simão precisa de assentar a sua singularidade competitiva nessa rara capacidade anímico-futebolística de carregar sobre si tamanha esperança. A questão é que não há muitas equipas que se ofereçam assim ao querer de um só homem. O Benfica já era assim no tempo do João Vieira* Pinto: extremosamente dado a só um, às suas vontades e poderes.
O Simão precisa mais do Benfica do que o contrário.
*O João Pinto teve o Vieira no meio enquanto coexistiu no campeonato com o defesa direito do Porto, para que não se confundissem. Reformado o último recuperou a designação binominal.
Bichus

Atenção aos intercursos não protegidos desta guitarra. Lá estará, Quarta e Quinta no TAGV, tangida em jeito de ópera.
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Numerologia do só
Entre as formas de solidão que mais dilaceram nas sociedades ocidentais contemporâneas estão as marcadamente vinculadas aos ideários românticos. As carências funcionam sempre numa lógica de lack. O problema não é fulano estar sozinho, o problema é o referente ideal. O problema é fulano, sendo um, sentir-se menos que dois. Mesmo quando isso implica a nostalgia de um número que nem vagamente conhece.

Cartaz que foi colocado no Marquês de Pombal pelos Gatos Fedorentos, mesmo ao lado do cartaz do PNR. Via Arrastão
Delicioso.
Pó

PNR
Melancómico
Como recentemente tive ensejo de comprovar, pleno Rádio Clube, ali para a Sampaio e Pina, o Nuno Costa Santos, saudoso melancómico, anda por aí. Consta que por estes dias sai em livro e se faz acompanhar por uns heterónimos musculados. O melhor é mesmo apontar:


Colin

Convite
Meu caro Renteria,
Um dia destes vamos lá para o pavilhão de Pé de Cão e eu ensino-te como se falha um golo desses com um mínimo de classe. Escusas de passar vergonhas dessas à frente de toda a gente.
abraço
Bruno
Um dia destes vamos lá para o pavilhão de Pé de Cão e eu ensino-te como se falha um golo desses com um mínimo de classe. Escusas de passar vergonhas dessas à frente de toda a gente.
abraço
Bruno
Perfídia
Ao penalizarem a vulnerabilidade na doença, como se em causa estivesse um expediente escolhido, as taxas de internamento são uma pérfida paródia do que pudesse ser o princípio de utilizador pagador. Shame on you Mr. Sócrates.